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domingo

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Depois do almoço parei para um café na P&C do Juazeiro. Da janela, sob o reflexo do vidro, vejo um homem e uma criança. Ele trabalha, completando um conjunto de tapumes para a obra que avança. A criança desenha. Com o lápis de marceneiro, ela inaugura o tapume já colocado e precariamente pintado de branco. Qualquer descrição ou registro torna a cena insegura e melindrosa. Não é isso que quero. Queria só a imagem - absoluta e frágil - , mas não me contenho, preciso falar, porque me acomete como uma urgência, dizer (inutilmente) que gosto da cena.




Gosto do homem que trabalha e gosto do menino que desenha. A imagem se impõe e me captura. Não dá para descrever tudo o que ela abre de potência de significado. Estou ali, fora da cena, mas entre os dois, alternando minha vontade de colocar o tapume e de desenhar sobre ele. Ali há o que me interessa: pai e filho em ações relacionadas, mas em dignidades diferentes; a universidade em metáfora de projeto; a precariedade invisível da arte. Algumas plantas amenizam o sol da saudade. O resto é o vidro que separa e junta.

Ricardo Salmito