A
atualidade de Macunaíma relembra Alfredo Bosi, crítico e professor da Universidade de São Paulo.
Primeiramente:
a atual situação, a encruza sempre reencontrada, esbatida no
caminho. Quase. Certa feita, em não dar certo. Golpe em curso,
eterno retorno do Mesmo, a política esboroa cínica e burra. Qual
futuro? Ora pro nobis, sempre às voltas com a agonia de um
futuro à imagem e semelhança:
“A
consciência popular brasileira se faz inviolável, insubordinável,
não se deixando invadir e dominar, é graças a este escudo
brincalhão do riso e da malícia. Se não fosse assim, todos
seríamos eleitores guiados pela TV, resignados com a pouca vergonha
que campeia por aí” (Darcy Ribeiro, p. XIX).
E não
somos? Inertes e perplexos, não estamos? Qual futuro?
“No
entanto, não há em Macunaíma a contemplação serena de uma
síntese. Ao contrário, o autor insiste no modo de ser incoerente e
desencontrado desse “caráter” que, de tão plural, resulta em
ser “nenhum”. E aquele possível “otimismo”, que era amor às
falas e aos feitos populares, ao seu teor livre e instintivo, esbarra
na constatação melancólica de uma amorfia sem medula nem projeto.
O herói de nossa gente é cúpido, lascivo, glutão, indolente,
covarde, mentiroso, ainda que por seus desastres mereça a piedade do
céu que o abrigará entre as constelações. É a Ursa Maior.
(…)
Coexistem
ou alternam-se, na gangorra ideológica, o otimismo e o pessimismo em
face dos destinos do povo brasileiro. Creio que tal irresolução é
cognitiva e afetiva: Macunaíma se inscreve no quadro de
perplexidades que tem por nomes Retrato do Brasil, Casa Grande &
Senzala, Raízes do Brasil, todas obras pensadas em um tempo
dilacerado pelo desejo de compreender o país, acusar as suas
mazelas, mas remir a hipoteca das teorias colonizadoras e racistas
que havia tantos anos pesava sobre a nossa vida intelectual” (p. 179*).
Qual
futuro?
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* Macunaíma o herói sem nenhum caráter. Ed. crítica / Telê Porto Ancona Lopez, coordenadora. Paris: Association Arquives de la Littérature latino-américaine, des Caraïbes et africaine du XX siècle; Brasília, DF: CNPQ, 1988.
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* Macunaíma o herói sem nenhum caráter. Ed. crítica / Telê Porto Ancona Lopez, coordenadora. Paris: Association Arquives de la Littérature latino-américaine, des Caraïbes et africaine du XX siècle; Brasília, DF: CNPQ, 1988.